Acontece em Uberlândia – MG, entre os dias 10 e 16 de março, a I SEMANA ARTICULADA DO COLETIVO GOMA (coletivo formado por pessoas envolvidas nas várias ramificações da produção cultural de caráter independente) cujo objetivo é construir um espaço de debates e reflexões acerca das possibilidades concretas de uma gestão cultural independente e participativa, calcada nos pressupostos da economia solidária.
Dentro da extensa programação deste encontro promovido pelo Coletivo GOMA – que funciona como uma etapa local/preliminar do 1º ENCONTRO MINEIRO DE ARTISTAS, PRODUTORES E MÍDIAS INDEPENDENTES a acontecer em meados de 2008 – aconteceu a oficina "FANZINES: HISTÓRICO E CONFECÇÃO", ministrada por Paulo Lamana, João Filho e Daniel Melo (os dois primeiros do Zine Corrente de Força e o último membro do núcleo de comunicação do Coletivo Goma).
Abaixo fica o texto preparado pelo Paulo para essa oficina.
Oficina de Fanzines
Estrutura da apresentação:
Parte I - Definindo
Parte II - Importância
Parte III – Confecção
Parte IV - Reflexões da atualidade
Parte V - Referências
Parte I - Definindo
- O que é Fanzine? Elementos para uma definição.
Etimologia: O nome vem da contração de duas palavras inglesas e significa literalmente revista do fã (fanatic magazine). De um modo geral o Fanzine é toda publicação feita pelo fã. E quem é o fã? Definiremos o fã, de maneira mais positiva, como aquele(a) que nutre envolvimento com algo.
Características:
1 – Amadorismo e paixão: o Fanzine é um tipo de publicação que tem caráter amador (no sentido de “não profissional”, por isso, a apresentação com alta qualidade gráfica não descaracteriza o Fanzine) e que gera uma satisfação pessoal por parte de editores e colaboradores, em fazê-lo.
2 - Ausência de cunho comercial: são produções/publicações realizadas sem intenção de lucro e fora das estruturas comerciais de produção cultural. Geralmente é marcado por pequenas tiragens (no caso do papel) e distribuição gratuita.
3 – Espírito coletivo: Os Fanzines são extensões do relacionamento de seus editores, colaboradores e leitores. Resultam da iniciativa e esforço de pessoas que se propõem a veicular produções artísticas ou informações sobre elas, que possam ser reproduzidas e enviadas a outras pessoas. Constitui-se característica fundamental dos Fanzines a camaradagem entre editores, colaboradores, leitores. O Fanzine atua como uma extensão da amizade que vai se firmando entre seus participantes em torno de assuntos de interesse comum. (Criam-se redes de afinidades)
4 – Liberdade de expressão, edição e forma: nos fanzines há liberdade de expressão e temas, formatos variados e divulgação de idéias que abrangem diversos assuntos e assumem as formas mais experimentais. O editor de Fanzines tem total liberdade de edição, podendo publicar o que quiser, mudar a linha editorial no meio do caminho, mudar formato, número de páginas, privilegiar assuntos que lhe são mais caros, abrir espaço para colaboradores que possam não agradar, manter aperiodicidade, distribuir exemplares de graça, fazer todo tipo de experimentação, expressar-se sem maiores restrições.
Algumas opiniões sobre o assunto:
a) Na opinão do produtor musical Rodrigo Quik, que já participou escrevendo em algumas publicações do gênero, "Fanzine é fazer tudo que você não pode nos meios de comunicação tradicionais. É anarquia no bom sentido. É liberdade de expressão verdadeira".
b) Rodrigo Lariú[1] completa, "Não sei se alguma coisa que se diz fanzine pode não ser considerado como. Uma das características mais importantes de um fanzine é a liberdade de fazer o que se imagina. Não dá para censurar alguém que diz fazer um fanzine simplesmente dizendo que aquilo não é um fanzine. Eles não têm regras".
c) Para o jornalista Tom Leão, zineiro desde os 13 anos e editor do Rio Fanzine: "Uma revista vendida em banca não é um fanzine. Qualquer outra forma de expressão escrita, no papel ou numa página da internet, e que circule livremente, é um fanzine. O tema é livre, não precisa ser de música ou quadrinhos, por exemplo".
Alguns temas e conteúdos de fanzines: histórias em quadrinhos, música (nos fanzines concernentes à música encontram-se entrevistas, resenhas de cds e de shows, agenda cultural, bandas, etc.), feminismo, vegetarianismo, cinema, jogos de computador e vídeo-games, poesias, contos, colagens, experimentações gráficas, viagens do “eu” (egotrips), enfim, tudo que o editor julgar interessante. O tema é livre.
5 – “Extra-oficialidade”: Os fanzines são veículos de opinião "extra-oficial". E entenda-se por "extra-oficial" aquilo que não está comprometido com empresas, organizações, governos ou instituições.
- Por que fazer Fanzine?
Há vários motivos que levam uma pessoa a fazer um fanzine, aqui vão alguns:
a) A paixão por um determinado assunto ou prática e a satisfação pessoal de ver a repercussão pública que se gerará por parte de outros aficionados.
b) Apenas divulgar sua própria expressão artística, idéias, pensamentos, críticas, viagens do “eu”, pensamentos pessoais, etc.
c) Principalmente no caso de HQ’s muitas vezes o editor deseja compartilhar com outros interessados o material de sua coleção (espírito solidário).
d) Produzir apenas para um círculo de amigos que tem interesse e demandam aquele tipo de manifestação artística (o fanzine).
e) Buscar a profissionalização e o fanzine acaba sendo o meio de mostrar seu trabalho para outras pessoas ou para os editores profissionais, e ao mesmo tempo um estímulo para produzir e aprimorar o trabalho.
Síntese
O Fanzine é a forma de expressão do editor, ou grupo de editores. O que define a pauta do Fanzine é aquilo que seu editor deseja compartilhar com seus leitores. O Fanzine é caracterizado pela independência do editor (e uma das garantias desta independência é que muitas vezes o editor mantém o Fanzine arcando com seus prejuízos). Outra característica do Fanzine é que está intimamente ligado à atividade cultural, à sua divulgação e ao prazer de se estar envolvido nela. Os fanzines estão a serviço da difusão desordenada da informação, sem formatos preestabelecidos ou manuais de redação e estilo, mas que não deixam de criar em torno de si uma organização própria, com temas, público, linguagem e táticas de publicação que podemos chamar de Cultura do Zine.
Parte II – Importância
- Qual a importância dos fanzines?
a) A maior importância dos Fanzines é cultural: componentes do que poderíamos chamar de contra-cultura (ou cultura alternativa) os fanzines geram a troca de informações entre milhares de adeptos ou fãs e movimentam uma cena undreground recheada de novas bandas, ilustradores, jornalistas e escritores em busca de espaço e público.
b) Os fanzines tem um caráter de antecipação de pautas. Os fanzines estão onde as pautas dos jornais e revistas ainda não chegaram ou, como acontece bastante, acabam chegando a reboque. "Os zines são a eminência parda da imprensa cultural brasileira. Tudo que os editores de cadernos culturais escrevem é dito primeiro pelos fanzines. E muitos destes editores são ex-fanzineiros", concorda Rodrigo Lariú.
c) Formação e amadurecimento de artistas, satisfação pessoal dos editores e colaboradores de estarem divulgando seus trabalhos e ampliação de amizades entre os que participam desse mundo dos Fanzines.
d) Nos aspectos crítico e informativo identificam-se também algumas contribuições dos Fanzines. Principalmente no caso de HQ’s, mas não somente, a liberdade criativa dos fanzines permite a veiculação de trabalhos mais isentos e com maior profundidade. As críticas, veiculadas nos Fanzines, sobre as adulterações feitas pelas grandes editoras nas histórias em quadrinhos publicadas por elas no Brasil, chegaram até os editores provocando, no primeiro momento, reação, mas posteriormente levando-os a realizarem um trabalho mais consciente.
e) Principalmente no âmbito dos quadrinhos muitas vezes é nos Fanzines que os editores profissionais buscam informações e esclarecimentos sobre o passado de séries e personagens. Muito importante é a iniciativa de resgate de trabalhos e autores brasileiros e estrangeiros feito pelos editores de Fanzine (pois de certos autores não há o menor interesse das editoras profissionais em publicar seus trabalhos). Através dos Fanzines é possível tomar contato com todo esse material.
f) Os Fanzines também têm sido o veículo de divulgação de sérias pesquisas que deviam estar sendo promovidas pelo meio editorial ou pelo meio acadêmico. A inexistência de um mercado profissional estável para o quadrinhista brasileiro desestimula tanto a produção dos artistas já maduros quanto o desenvolvimento de novos talentos na área. Assim, mesmo que de forma bastante limitada, os Fanzines têm promovido a produção de quadrinhos brasileiros através do incentivo da publicação, mesmo não remunerada e de alcance restrito.
Parte III - Confecção
- Como fazer? A produção de um Fanzine abrange as etapas que começam com: a) iniciativa de editar, b) passa pelo trabalho de definir linha editorial, c) conseguir o material a ser editado, d) manter contato com colaboradores, e) montar a edição, f) conseguir a impressão, g) até chegar ao resultado final que é a edição impressa. É o aspecto mais pessoal de todo processo. A elaboração dos originais da edição depende principalmente da visão do editor, sua capacidade de criar, de contatar outros criadores, de organizar todo o material disponível. A edição será reflexo da formação cultural do editor. Todo tipo de material é válido para compor a edição (HQs, poesias, contos, fotos, ilustrações, colagens, etc). Obviamente o resultado também dependerá dos recursos materiais que o editor tiver disponíveis, como máquina de escrever, computadores, scanners, etc, mas estes não são os ingredientes mais importantes na feitura da edição. O que caracteriza primordialmente um Fanzine é a personalidade que seu editor lhe imprime. A maneira mais simples de fazer um original de Fanzine, que vá ser reproduzido em xerox, utiliza apenas papel, tesoura, caneta (ou máquina de escrever) e cola. O editor escreve ou coleta o material escrito, seleciona as ilustrações, faz a montagem do material em folhas de papel no formato que vai ser reproduzido. Após a impressão em xerox de um certo número de cópias de cada original, o editor deve montar cada exemplar e grampeá-los.
- Como imprimir? A impressão constitui-se hoje um problema menor do que alguns anos atrás. Aconselhamos os dois tipos a seguir: a) A impressão em xerografia, que é a forma mais simples de reproduzir um Fanzine, pois facilita a produção do original, e atualmente há uma difusão relativamente grande de máquinas copiadoras com preços de cópia relativamente acessíveis. b) Se o editor pretende bancar uma tiragem relativamente alta, a impressão em off-set é mais adequada, pois apresenta custo por cópia menor.
- Como facilitar a produção? Apesar de, como já foi dito, a facilidade de impressão hoje ser bem maior, a necessidade de algum recurso financeiro para o editor bancar mesmo que uma pequena tiragem ainda é um problema grande, e muitos editores não conseguem ultrapassá-lo. Aconselhamos as alternativas a seguir: a) Constituição de grupos ou cooperativas. Diversas pessoas com interesses semelhantes se agrupam para produzir edições em conjunto, rateando tanto os custos de impressão quanto o próprio trabalho de produção dos originais, e também o trabalho futuro de divulgação e distribuição. b) Outra solução é o uso de anunciantes para bancar os custos de impressão. A dificuldade óbvia desta solução é que o editor tem que também se fazer as vezes de departamento comercial e sair à caça de anúncios.
- Como divulgar? Divulgação compreende o trabalho de anunciar a edição, elaborar e enviar malas diretas, fazer com que possíveis interessados saibam da existência do trabalho. Uma das principais características dos Fanzines é a mútua divulgação que fazem entre si. A divulgação dentro do próprio meio costuma ter uma boa resposta. O único problema é que muitas vezes esta divulgação fica muito restrita dentro do próprio meio independente.
- Como distribuir? Distribuição é fazer a edição chegar ao leitor, inclui receber pedidos, envelopar e postar ou mesmo vender de mão em mão em eventos afins. A maior parte da distribuição dos Fanzines é feita através do correio ou em eventos relacionados.
- Avaliando Fanzines
A avaliação de Fanzines não pode ser feita usando os mesmos critérios usados para avaliar trabalhos veiculados nas publicações profissionais.
a) Muitas vezes o Fanzine é uma obra extremamente pessoal, feita seguindo diretrizes muito próprias do editor e dirigida a um grupo específico de leitores. Com tantas especificidades, a obra está fora da capacidade de apreciação de quem não pertença ao grupo.
b) Em alguns casos, o Fanzine é resultado da expressão de pessoas muito jovens, cujos trabalhos não têm maturidade artística, e não seria honesto avaliá-los pelos mesmos critérios usados nos trabalhos profissionais. Ao contrário, a atitude a ser tomada em relação a quem está procurando achar seu caminho artístico, aprendendo e evoluindo, deve ser de orientação e principalmente incentivo.
c) Há, contudo, no meio independente, artistas completos, produzindo trabalhos que resistem à avaliação segundo critérios profissionais, tanto que uma parcela significativa das melhores HQs e revistas produzidas no Brasil nos últimos trinta anos se encontram no meio independente.
Parte IV – Reflexões sobre a atualidade
Fanzine é revista, ou seja, uma publicação impressa onde cada leitor pode ter seu exemplar, como denota o magazine que forma seu nome. Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, a palavra Fanzine já está sendo usada em trabalhos que não estão na forma de revista, mas que trazem o tipo de material encontrado nos Fanzines impressos. O E-zine é a contração de electronic e fanzine, ou seja, um "fanzine eletrônico". Trata-se de uma publicação que possui as características de um fanzine, mas em vez de usar o formato tradicional de divulgação (papel), lança mão do formato eletrônico, seja como um documento que pode ser aberto por um aplicativo específico (por exemplo, um arquivo de texto, PDF ou HTML, geralmente com ligações que permitam percorrê-lo em modo de hipertexto), seja como um executável para uma plataforma específica..
Diante desse novo movimento podemos dizer que:
a) A internet tem ampliado/expandido a definição de fanzine: e-zine, mailzine, blog etc
b) A evolução da tecnologia facilitou e diminuiu custos de distribuição/disseminação de fanzines possibilitando com que muito mais gente tenha acesso.
c) Assim como a televisão não acabou com o rádio, ou as revistas não extinguiram o jornal, etc etc os e-zines não vão substituir ou desaparecer com os fanzines
d) Apesar de todas as dificuldades de publicação, apesar da euforia com a internet e da efervescência dos muitos e-zines que pipocam por aí todos os dias, apesar de tudo, o papel guarda um amor tátil e tem o seu lugar nas mãos dos leitores que apreciam as possibilidades gráficas que só a celulose permite.
e) Não. O cenário underground NÃO está perdendo a sua identidade. No reino dos fanzines sobreviverá a democrática anárquica do "faça você mesmo", não importando se em papel jornal ou couché, tamanho ofício, A4 ou tablóide, e-zine, mailzine ou blog, etc, etc.
Parte IV – Referências
- Algo sobre Fanzines (Edgard Guimarães) http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=41&rv=Literatura
- Fanzine rotulando o in-rotulável
http://www.mood.com.br/3a01/zine.asp
- O rebuliço apaixonante dos Fanzines (Henrique Magalhães)
Tese de mestrado do autor que pode ser adquirida em forma de livro por 20 reais na livraria da UFU ou com o autor através do email mdefantasia@ig.com.br
- O que é Fanzine? (Henrique Magalhães)
Resumo da tese de mestrado do autor, editada pela Brasiliense, lançado em 1993 (da clássica coleção “O que é ...?”.
Vídeos usados na atividade:
Skatismo #1
http://br.youtube.com/watch?v=roagRf7n69o
DIY - How to Make a Zine; Paper, Scissors, Pen - Rockin!
http://br.youtube.com/watch?v=Xh1W15BWCUk
Confecção dos cartazes -Oficinas de Fanzine (mostra a técnica do Stencil) http://br.youtube.com/watch?v=MVneiF8SvOM
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